Artigo de André Soares - 01/03/2018
O atual colapso do estado brasileiro, mergulhado em grave crise político-econômica, corrupção institucional generalizada e degenerescência dos partidos políticos, é terreno fértil para imediatismos e adoção de paliativos, como são recorrentes em nossa história. Portanto, não é de surpreender o surgimento de retumbante e crescente mobilização social, conclamando a volta dos militares ao poder, como sendo a panaceia derradeira para a salvação nacional. Nesse contexto, a cúpula militar, contrariamente ao seu discurso oficial, está silentemente orquestrando esforços para retomar o protagonismo político no país.
Portanto, engana-se quem achar que o projeto de poder dos militares foi sepultado com o fim da ditadura militar em 1985, e que a nova geração de comandantes abdicou definitivamente a aspiração de reassumir o poder político no Brasil. E o quartel general que comanda veladamente essas ações está nas mãos dos militares de ultradireita da “comunidade de inteligência”, oriundos do extinto e famigerado SNI (Serviço Nacional de Informações), e que atualmente comandam a ABIN/SISBIN (Agência Brasileira de Inteligência/Sistema Brasileiro de Inteligência).
Essa cúpula militar vivencia na atual conjuntura um crescimento vertiginoso do seu poder político, graças a atuação decisiva do seu principal aliado: porque “nunca antes na história pós-ditadura militar desse país” os militares da “comunidade de inteligência” foram tão prestigiados por um presidente civil, como estão sendo pelo presidente Michel Temer.
Nesse sentido, lembremos que uma das primeiras decisões do presidente Temer ao assumir a presidência da república em 2016 foi a recriação do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), que havia sido extinto meses antes pela presidente Dilma Rousseff, num dos últimos atos do seu governo. Esse ato presidencial representou a vitória política e estratégica mais importante do projeto de poder dos militares, por dois motivos: primeiro porque o GSI retomou a subordinação direta do seu principal braço operacional - a ABIN, órgão central do SISBIN e principal serviço secreto brasileiro, que estava vinculada à Secretaria de Governo da Presidência; e o segundo motivo é porque o exército retomou a hegemonia sobre a estrutura institucional do GSI na presidência da república, ressaltando-se que todos os ministros da história do GSI foram generais.
Todavia, faltava ainda aos militares retomar o comando efetivo da ABIN; depondo o Diretor-Geral todo-poderoso da agência, Wilson Roberto Trezza, que batia o incrível recorde de oito anos consecutivos na função, e que se opunha à subordinação da ABIN aos militares. Esse último óbice foi superado novamente por decisão do presidente Temer, que substituiu Trezza no comando da ABIN, eliminando assim as forças antagônicas aos interesses militares no âmbito da inteligência nacional.
A mais recente e ousada empreitada do projeto de poder dos militares contou mais uma vez com o protagonismo extraordinário do Presidente Temer: a histórica intervenção federal decretada por ele na segurança pública do estado do Rio de Janeiro. Pois, ao contrário do discurso governamental, trata-se na verdade de uma intervenção estritamente militar, a qual foi elaborada seguindo a mesma estratégia da recriação do GSI de tornar monopólio militar o seu comando institucional. Isso está inserido no decreto da intervenção federal, ao determinar tacitamente que “o cargo de Interventor é de natureza militar” (decreto Nº 9.288, de 16/02/2012, art 2º, parágrafo único). Portanto, está claro que a imposição legal de um general do exército da ativa como interventor no Rio de Janeiro foi uma decisão presidencial que não visou a atender apenas às demandas críticas de segurança pública do estado e as imperiosas atribuições governamentais.
Em seu “aproveitamento do êxito”, a cúpula militar vislumbra também a oportunidade de efetivar outra importante conquista, a qual é almejada de longa data: a chefia do ministério da defesa. Criado em 1999, o ministério da defesa passou a enquadrar as forças armadas (Marinha, Exército, Aeronáutica) que perderam o status ministerial e, consequentemente, poder político. Portanto, a vacância do cargo de ministro da defesa, com a nomeação do seu titular, Raul Julgmann, como ministro do recém criado ministério da segurança pública, está sendo ocupada interinamente por outro general do exército. Até quando? A depender dos militares – até sempre.
Concomitantemente, no cenário político partidário, o deputado federal e capitão do exército Jair Bolsonaro, ferrenho defensor dos governos militares e segundo colocado nas pesquisas eleitorais presidenciais deste ano, já declarou que, caso eleito, contará fortemente com a participação da cúpula militar em seu governo.
Assim, do ostracismo político a que foram relegados ao fim da ditadura, os militares foram alçados na atualidade às luzes da aclamação da opinião pública e com crescente robustez política, por força da conjuntura nacional caótica, sob os auspícios generosos do governo Temer. Significa que o país está ante um futuro político incerto e arriscado, cujo infeliz prognóstico é a probabilidade da inepta sociedade brasileira incorrer nos mesmos erros do seu passado.
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